10/08/2011

Trabalhar causa tristeza?

Por: Daniella Cornachione - Revista Época - Edição nº 690 - 05.08.2011

Há muitos empregos e os salários crescem, mas a insatisfação do brasileiro com a carreira permanece a mesma. Como ser mais feliz com o trabalho


MAIS FELIZES - A ex-fonoaudióloga Fernanda Egydio em sua oficina de costura para crianças. Ela deixou de ser assalariada e virou microempresária, grupo que se diz muito mais satisfeito com o trabalho

O brasileiro que trabalha está cheio de motivos para comemorar. O nível de desemprego de junho foi o menor desde 2002. A renda média cresce à frente da inflação continuamente há sete anos. Surgem mais opções de carreira e mais cargos bem remunerados, e as empresas disputam os bons profissionais. O brasileiro que trabalha deveria, então, estar extremamente satisfeito. Mas não é o que acontece. Há indícios de que o aquecimento da economia não esteja elevando a felicidade geral com o trabalho. Pior: ele talvez esteja aumentando o número dos que se consideram infelizes com o que fazem. O alerta vem de especialistas e pesquisas como a realizada recentemente pela consultoria multinacional de recursos humanos Right Management. O resultado mostrou 48% de insatisfeitos com o trabalho. “Para uma economia aquecida, cheia de oportunidades, esse indicador está muito alto”, afirma Elaine Saad, coordenadora do levantamento, feito em julho com 6 mil pessoas. O índice de insatisfeitos está bem mais próximo dos 52% dos Estados Unidos em crise de 2008, abalados pela bolha imobiliária, do que dos 39% dos Estados Unidos otimistas de 1987, quando o país crescia fortemente. A insatisfação dos brasileiros se manifesta de forma ainda mais aguda entre as mulheres: 59% delas afirmam não estar felizes no trabalho.

Há reflexos do problema também na área de saúde mental. Em um levantamento da consultoria CPH Health com 194 mil pessoas, concluído em maio, a depressão e a ansiedade com o trabalho se mantiveram em alta no país. “O sofrimento está ficando mais intenso nos últimos anos. As pessoas inventam algumas formas de defesa contra os problemas do emprego, mas elas logo falham”, afirma a psicóloga Ana Magnólia Mendes, da Universidade de Brasília (UnB), que estuda problemas no emprego há 25 anos. Parece que o brasileiro médio não está conseguindo transformar em felicidade os ganhos oferecidos pelo mercado de trabalho.

Qual é o tamanho da insatisfação
A infelicidade no trabalho varia em intensidade. Se os sentimentos estão se movendo para baixo na escala, é hora de mudar


Fontes: Srikumar Rao, Ana Magnólia Mendes, Beatriz Accioly, Débora Glina, Sérgio Campanella

Uma parte da explicação emerge das novas exigências dos empregadores. Com a crise na Europa e nos Estados Unidos, as multinacionais voltam suas expectativas para os poucos mercados no mundo que podem oferecer bons negócios – como o Brasil. “As multinacionais estão por aqui há muito tempo, mas agora elas estão apostando pesado em nós”, afirma o economista Carlos Castanho, do instituto de pesquisas Quórum. A cobrança por resultados cresce mais rapidamente do que o tamanho das equipes e a verba para os projetos. Entre as companhias brasileiras, há o apetite por ocupar espaços no mercado interno em expansão. Os funcionários são pressionados e têm de competir mais para se destacar. Um tradicional indicador de aquecimento econômico é o número de fusões e aquisições, que bateu recorde no primeiro semestre de 2011, de acordo com a KPMG. Foram 379 operações, 8% a mais do que o mesmo período do ano passado, já de atividade bem intensa. Cada união entre empresas é também uma fonte de estresse para os funcionários, por causa da possibilidade de demissões e das mudanças de chefia, ambiente e cultura de trabalho. Mas essa é a parte da explicação mais fácil de enxergar, porque ocorre no mercado – ou seja, fora da cabeça das pessoas.

A outra parte, mais difícil de apreender, está dentro da mente do sujeito que trabalha. É natural que as expectativas de cada um com o trabalho estejam maiores. “As pessoas estão recebendo propostas, veem os outros mudando de trabalho e questionam mais a própria posição. Os aspectos ruins do emprego ficam exacerbados”, afirma Elaine Saad. O aquecimento da economia dá ao indivíduo chances verdadeiras de impulsionar ou mudar a carreira, mas essas chances reais sofrem com a competição, sempre injusta, das chances imaginárias que só os outros parecem estar aproveitando. O efeito colateral é criar a falsa ideia de que o carpete do escritório vizinho é mais verde.

A origem da insatisfação se torna facilmente identificável no momento de escolha de emprego. Na hora de agarrar uma nova chance, as expectativas de promoções, status e salário contam mais. Numa pesquisa do instituto Quórum, os aspectos que mais atraem os executivos para um novo emprego são a perspectiva de crescer (apontado por 37% dos entrevistados) e o salário (26%). Uma vez dentro da nova empresa, porém, começam a pesar fatores muito prosaicos, como o clima, o chefe e o prazer com as atividades do dia a dia. Eles são determinantes para a felicidade no trabalho. Questionados sobre o que os levou a sair de empregos anteriores, os executivos responderam principalmente o ambiente desconfortável (24%) e a falta de treinamento condizente com as atividades exigidas (22%). O salário baixo ou as parcas chances de crescer caíram para quarto e quinto lugares. “As pessoas vão para um novo trabalho por suas habilidades técnicas e se desligam de um trabalho por questões de comportamento”, afirma Frederico Porto, psicanalista e consultor organizacional.

O inchaço ruim das expectativas também aparece nas medições de felicidade em diferentes faixas etárias. Na pesquisa da Right Management, mostraram-se insatisfeitos com a carreira seis em cada dez profissionais com idade entre 20 e 30 anos – a explicação para essa grande parcela de infelizes é que os jovens tendem a esperar do trabalho mais do que ele pode proporcionar. A insatisfação declina continuamente com a idade e recua para quatro em cada dez trabalhadores na faixa de 40 a 50 anos, maduros o bastante para não esperar do trabalho mais do que ele pode oferecer. Parece que a insatisfação com o trabalho cresce, em parte, porque o mercado de trabalho se tornou mais exigente, mas principalmente porque o brasileiro passa a esperar muito mais do emprego. Isso significa que, antes de tomar decisões a respeito da carreira, é preciso adequar melhor suas expectativas.

Nada disso significa que o indivíduo precise esperar pouco do trabalho. Ele apenas precisa casar as ambições com as possibilidades de forma realista. O estudioso americano Peter Warr, referência mundial em psicologia do trabalho, acredita que existam formas mais ou menos intensas de felicidade no trabalho. “Estar apenas tranquilo e confortável já é agradável, mas as pessoas precisam de mais. Elas gostam de estar ativamente engajadas no que estão fazendo”, afirma. É o que ele chama de “felicidade desafiadora”. No livro Motivação 3.0, o autor americano Daniel Pink diz que a busca por satisfação inclui a procura não somente por maior salário, mas também por excelência, propósito e autonomia. Nessas condições, seria possível atingir o estado “flow”, definido pelos psicólogos como o momento em que o executador e a tarefa se fundem, tamanha a ligação. É a sensação de prazer que faz com que a noção de tempo seja perdida. Para chegar a esse nirvana do escritório, porém, o assalariado precisa fazer certa peregrinação mental.

O consenso entre os especialistas é que a felicidade no trabalho existe quando anseios de diversos tipos (e não somente financeiros) são preenchidos pelas características da atividade realizada. “Felicidade é identificar-se com a natureza, o tema, o momento e o propósito do trabalho”, afirma o psiquiatra Sérgio Campanella, estudioso de ansiedade no emprego. O ambiente tem um peso tão grande quanto o tipo de ofício, mostra a pesquisa da psicóloga Ana Mendes, da Universidade de Brasília. “O reconhecimento e a liberdade de expressão de ideias são tão importantes que podem compensar o fato de a atividade desempenhada não ser agradável”, afirma.

Uma revelação interessante da pesquisa da Right Management, em sintonia com as avaliações dos especialistas em saúde mental, é a menor parcela de insatisfeitos entre os que trabalham por conta própria. A fatia de angustiados cai a 40% entre autônomos e 26% entre os donos do próprio negócio, níveis bem inferiores aos 48% da média geral. Esse roteiro foi seguido pela microempresária Fernanda Egydio, de 35 anos. Depois de nove anos atuando como fonoaudióloga, ela resolveu dar outro rumo à carreira. Criou um negócio e também um ambiente de trabalho melhor numa oficina de costura para crianças. “O hospital tinha mais competitividade e o relacionamento entre as pessoas era mais frio. De doutora Fernanda passei a ser a Fê”, diz. O caminho da satisfação não precisa passar por curvas tão radicais. Mas, com economia a favor ou contra, ele sempre exigirá uma bela viagem de autoconhecimento.

A felicidade de cada um

É possível fazer um arranjo melhor entre o que se espera do trabalho e o que ele pode dar

01/08/2011

A motivação é outra - Da Redação - Correio Braziliense

Para muitos, um bom salário não garante felicidade. Fatores como desenvolvimento da carreira e qualidade de vida têm atraído profissionais brasileiros. E as empresas precisam se virar para manter seus funcionários
Adauto Cruz CBDAPress
Ana Lúcia trocou uma perfumaria por uma multinacional de cosméticos. Cinco meses depois, decidiu voltar por causa dos benefícios

 
O que levaria você a mudar de emprego? Para a maioria dos profissionais brasileiros que ocupam cargos gerenciais, novas possibilidades de desenvolvimento da carreira, mais qualidade de vida e maior apoio à formação seriam as principais respostas a esse questionamento. É o que dizem os especialistas e atesta uma pesquisa realizada este ano pela empresa de recrutamento norte-americano Robert Half, que ouviu executivos de 11 países, entre eles o Brasil. Frente a esse quadro, cada vez mais as corporações daqui investem em programas motivacionais para reterem os trabalhadores em seus quadros.

De acordo com a coach e diretora técnica do escritório Homero Reis e Consultores, Thirza Reis, a remuneração é muito importante nessa questão, porém outros elementos têm ganhado mais relevância entre os profissionais do país. “Uma proposta financeira estruturada é fundamental, mas hoje muita gente troca de emprego por mais bem-estar”, avalia. “Quando a pessoa chega a postos gerenciais e já tem alguma estabilidade econômica, ela começa a colocar em xeque se vale a pena o volume de estresse.” O gerente sênior da Robert Half, Sócrates Melo, completa: “Hoje os profissionais estão bem mais seletivos, estão olhando para todos esses quesitos, especialmente as oportunidades que a empresa dá para ele atingir seus objetivos na carreira”.

Os números da pesquisa quantificam o que dizem os especialistas (ver gráfico). Para 34% dos entrevistados no Brasil, o principal fator que os levaria a escolher uma corporação em detrimento de outra seria o “desenvolvimento de carreira/ maiores responsabilidades”, ou seja, a possibilidade de crescimento profissional. A média dos 11 países participantes do estudo ficou em 24%, o que significa que os brasileiros dão mais importância a esse ponto que, por exemplo, os austríacos (17%) e os holandeses (16%).

Em segundo lugar no ranking, o quesito qualidade de vida foi a resposta de 32% dos entrevistados daqui. Na Bélgica, esse tópico recebeu citação de 42% dos executivos ouvidos e, na França, ele mereceu ainda mais atenção: 44% dos indagados colocaram esse elemento no topo da lista. No geral, ele recebeu 37% das indicações. Segundo Thirza Reis, esse ponto é o que mais vem ganhando força entre os brasileiros nos últimos anos. “A qualidade de vida é o grande tema nas discussões hoje em dia, até porque ela é o objetivo final de todo mundo”, comenta a coach, que explica em que consiste essa expressão tão utilizada atualmente: “Dizemos que a ideia é ter os três pilares fundamentais da vida — trabalho, relacionamentos e lazer — equilibrados. Então, o objetivo é ter um emprego que não consuma os demais pilares.”

Um outro ponto mereceu destaque por parte dos profissionais brasileiros: o apoio à formação e aprendizagem. Enquanto países como Luxemburgo (1%) e Itália (6%) colocaram esse tópico no fim da lista, o Brasil concedeu-lhe o terceiro lugar, com 10% das respostas, quatro pontos percentuais acima da média. Para os especialistas, esse incentivo à capacitação é visto como um estímulo pelos trabalhadores por acarretar em ganhos ao currículo, à carreira e, consequentemente, aos rendimentos.

A pesquisa da Robert Half também avaliou os contrastes entre os sexos no mercado de trabalho e concluiu que as mulheres levam mais em conta do que os homens fatores como qualidade de vida e apoio à formação na hora de escolher entre um emprego e outro. Quanto ao primeiro tópico, foram 35% de menções delas contra 27% deles. Já em relação ao incentivo à capacitação, ele foi a escolha de 13% das trabalhadoras e de apenas 5% dos trabalhadores brasileiros. O presidente do Conselho Federal de Administração (CFA), Sebastião Luiz de Mello, explica o resultado com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): “As mulheres estudam mais do que os homens. Elas têm, em média, 7,4 anos de estudos. Já o sexo oposto dedica-se cerca de 6,9 anos aos bancos escolares”. Além disso, Thirza Reis diz que “a mulher ainda é mais voltada para a família, para o cuidado e para a estética, enquanto o homem é muito educado para o resultado”.

Programas

Diante desses anseios dos profissionais brasileiros, as empresas têm ampliado os programas motivacionais para manterem os trabalhadores em seus quadros. “A escassez generalizada de mão de obra, qualificada ou não, criou um círculo virtuoso de valorização profissional, em que as empresas buscam a todo custo segurar seus funcionários”, conta Mello. Nesse processo, vale quase tudo: de bônus generosos até cursos e viagens para o exterior, passando por flexibilidade de horários e premiações por metas alcançadas.

É o caso da perfumaria brasiliense Lord, que mantém muitos projetos para a empresa ser atraente aos olhos dos colaboradores. Entre os benefícios que a loja oferece, estão prêmios por cotas de vendas, que podem chegar a viagens nacionais e internacionais, cursos de atualização semanais, dinâmicas de motivação, descontos em salões de beleza e festas de confraternização. “Esse investimento realmente funciona. Todos os nossos trabalhadores estão há bastante tempo na casa”, comenta a diretora de marketing da rede, Luciana Lucena, que participa da elaboração das campanhas motivacionais.

Um exemplo do que diz a diretora é a atual gerente da filial da Asa Sul, Ana Lúcia Rezende, 30 anos. Há 12, ela chegou à rede para trabalhar como empacotadora. Pouco depois, largou o emprego e foi para uma multinacional de cosméticos, mas só ficou cinco meses por lá. “Senti falta de tudo que tinha no grupo, tanto o relacionamento com o diretores quanto os cursos e as viagens”, lembra. Ana Lúcia voltou para a Lord e não se arrepende. Além de todo o apoio que recebeu para fazer sua pós-graduação e vários outros cursos, ela diz ter realizado um sonho graças à perfumaria. “Conheci Paris e Marrocos, com tudo pago, depois de atingir umas metas de vendas”, conta, orgulhosa.

Artifício aprovado pelos especialistas, as premiações também são a aposta da Beiramar Imóveis. “Temos programas de incentivo mensais, metas curtas premiadas com carros, motos, Ipads”, fala o diretor comercial da imobiliária, Paulo Fernandes. Além disso, o grupo investe no espaço físico e em cursos de formação para os colaboradores, alguns até realizados em spas. De acordo com Fernandes, o esforço vale a pena. “Nosso índice de satisfação é muito alto, o que implica diretamente uma baixa rotatividade”, conta o diretor.

Saiba mais
Troca-troca

Os últimos dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontam que a rotatividade — ou seja, a troca de emprego — é alta no Brasil. Em 2009, ela atingiu a marca de 39%. Os números mostram que, em 2009, 42,7% dos desligamentos ocorreram com até seis meses de contrato. De 2000 a 2009, cerca de 80% dos desligamentos foram de vínculos com menos de dois anos de duração.